“Sorry, mas eu tô sem mood pra isso”: o estrangeirismo e a alma da nossa língua
- Mário Alves.'.
- 7 de abr.
- 2 min de leitura

O estrangeirismo virou rotina. Está no cardápio, nas vitrines, no e-mail corporativo e até no vocabulário emocional: estamos “sem vibe”, “no mood”, “com crush”, “feeling blue”. Mas isso é só linguagem ou é sintoma de algo mais profundo?
A infiltração da língua inglesa no português do Brasil não acontece por acaso. Vem a reboque de um pacote completo: séries, filmes, aplicativos, tecnologia, moda, comportamento. A cultura anglófona nos cerca por todos os lados, e não é à toa – o inglês é o idioma do poder econômico global, da indústria do entretenimento, da inovação tecnológica. O mundo não virou inglês, mas é inegável que se comunica majoritariamente nesse idioma.
Essa sobreposição cultural cria um fenômeno curioso: a substituição de palavras por termos estrangeiros, muitas vezes desnecessários, como se o original em inglês fosse mais legítimo ou moderno. Mas quando dizemos “delivery” ao invés de “entrega”, ou “feedback” no lugar de “opinião” ou “retorno”, estamos, talvez sem perceber, importando não só palavras, mas valores, hábitos, formas de pensar.
E isso tem um custo. A linguagem molda o pensamento. Quando empobrecemos o uso do português, quando passamos a achar “brega” ou “menos profissional” usar nossa própria língua, estamos restringindo também nossas formas de refletir, de argumentar, de criar. O estrangeirismo, quando usado sem consciência, pode contribuir para uma espécie de colonização intelectual - silenciosa, estilosa, mas bastante eficaz. É o espírito da dependência travestido de globalização.
Curiosamente, essa abertura ao inglês contrasta com a nossa resistência ao espanhol. Embora o Brasil esteja geograficamente cercado por vizinhos “hispanofalantes”, culturalmente nós mantemos de costas para eles. A influência hispânica é tênue, mesmo que tenhamos tanto em comum. É como se a América Latina fosse nossa vizinha de muro alto, e os Estados Unidos, o parente distante que mora longe, mas dita as regras da casa.
Por que essa diferença? Em parte, porque a cultura dos países hispânicos que nos cercam é vista como “sem glamour”, “sem prestígio”, talvez até “atrasada” – reflexo de uma visão “COLONIZADA” que confunde o que é estrangeiro com o que é superior, e o que é próximo com o que é vulgar. O inglês vem carregado de poder; o espanhol, de familiaridade. E, muitas vezes, rejeitamos o familiar em nome do que parece mais “evoluído”.
Isso não quer dizer que devamos abolir o uso de palavras estrangeiras. Elas fazem parte do dinamismo natural das línguas. O problema não é o estrangeirismo em si, mas o apagamento do que é nosso. Uma língua se enriquece quando absorve novas influências - mas se empobrece quando, para isso, precisa se envergonhar de si mesma.
Em tempos de “lives”, “jobs”, “meetings” e “teams”, talvez o maior ato de resistência seja dizer, com orgulho: “vamos marcar uma conversa”. Em português, com acento, afeto e identidade!
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