“Especialistas de Sofá”
- Mário Alves.'.
- há 11 minutos
- 2 min de leitura

O Brasil é o país dos 220 milhões de técnicos de futebol. Isso já virou piada, mas a piada, como toda boa piada, guarda um fundo de verdade, e neste caso, um abismo. Como uma pessoa que não joga nem “botão”, na pelada só vai fazer “raiva”, mas acredita que entende mais de quem jogou profissionalmente por cerca de 3 décadas e ainda estudou para ser treinador? Imagina só. Pois é, vivemos na era da opinião instantânea: qualquer manchete vira sentença, qualquer “meme” vira argumento, e qualquer um com acesso à internet se transforma, num estalar de dedos, em especialista. Em tudo e qualquer coisa.
É impressionante como o brasileiro consegue passar de técnico da seleção a cientista político em menos de 24 horas. No domingo, debate a escalação da seleção, como se tivesse o conhecimento de causa. Na segunda, já discute as complexidades da reforma tributária como se tivesse redigido a Constituição (dificilmente este já mais leu uma linha a não ser obrigado). Na terça, está ensinando como resolver a crise na educação e falando mal dos verdadeiros especialistas e referências do assunto. Tudo isso sem ler um livro, um relatório técnico ou, sequer, uma matéria completa. Porque, convenhamos, quem precisa de profundidade quando se tem um vídeo de 30 segundos com uma legenda indignada?
Mas talvez o mais grave não seja a superficialidade da opinião, e sim o peso que ela adquire. Vivemos num tempo em que a ignorância é exibida com orgulho, e o conhecimento, tratado com desconfiança e menosprezo. O professor que fala sobre a importância das cotas raciais é acusado de “doutrinação”; o sociólogo que explica desigualdades é tachado de “esquerdista”; e o educador que defende a valorização do ensino público precisa se defender como se estivesse cometendo um crime.
A Lei de Cotas, por exemplo, é uma das políticas públicas mais estudadas e avaliadas no Brasil. Há dados, análises, resultados e ainda é instituída para mudanças a cada 10 anos, assim ajustando-se aos possíveis equilíbrios sociais. Mas nada disso importa para quem acredita, de peito estufado, que “todo mundo tem as mesmas oportunidades”, como se fosse igual, viver no conforto social enquanto outros sobrevivem sem conhecer o pragmatismo da palavra conforto. É o achismo vencendo a realidade com uma goleada de desinformação e muitas vezes com rancor de perde seus privilégios.
A educação, então, virou ringue. Pais que mal conhecem o conteúdo programático opinam sobre métodos pedagógicos. Políticos que nunca pisaram numa sala de aula opinam sobre currículo escolar. Influenciadores digitais dão pitaco sobre alfabetização. E assim seguimos: debatendo como ensinar sem ouvir quem ensina, planejando a escola sem considerar o aluno e criticando o sistema sem entendê-lo. Essa epidemia de opinião desinformada não é só um incômodo, é um problema grave. Porque, quando todos falam e ninguém escuta, o ruído sufoca o conhecimento. E quando a arrogância grita mais alto que a humildade de aprender, a ignorância vira política pública.
No fundo, o que falta não é opinião. O que falta é escuta. É humildade para reconhecer que não sabemos tudo, que especialistas existem por um motivo e que aprender, às vezes, começa em silêncio. Talvez, se falássemos menos e ouvíssemos mais, o Brasil fosse mais escola do que estádio. E quem sabe, assim, a gente começasse a vencer jogos que realmente importam.
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